O Portal da Memória, um monumento icônico em Belo Horizonte, é uma verdadeira referência para a cidade. Criado pelo renomado artista plástico mineiro, Jorge dos Anjos, esse monumento desempenha um papel fundamental na proteção da escultura de Iemanjá, localizada na Lagoa da Pampulha, que, infelizmente, já foi alvo de diversos atos de vandalismo. Recentemente, essa estrutura de significado tão profundo para a capital mineira serviu de inspiração para um livro notável, intitulado “Portal da Memória: A poética construtiva de Jorge dos Anjos na paisagem da cidade”, organizado por Rita Lages Rodrigues, historiadora e professora de História e Teoria da Arte da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Maria Tereza Dantas Moura, conservadora-restauradora e mestre em Patrimônio Cultural pela UFMG.
O livro é resultado de uma pesquisa que teve início quando Maria Tereza estava em seu programa de iniciação científica. Naquela época, sua mentora, Rita, solicitou que ela escolhesse um monumento urbano para estudar. Com uma riqueza de material coletado para esse projeto acadêmico, o trabalho de pesquisa se transformou em uma obra que retrata as múltiplas facetas desse monumento.
O Portal da Memória, construído com o objetivo de homenagear as raízes culturais africanas presentes em Belo Horizonte, foi inaugurado em 2007 e tem como propósito proteger a imagem de Iemanjá, que está presente na Lagoa da Pampulha desde 1982, ano em que foi instalada naquele local. A escultura da Orixá já foi alvo de inúmeros atos de vandalismo, levando as associações de terreiros de Candomblé e Umbanda da cidade a exigirem uma solução por parte da prefeitura.
Para resolver essa questão, além de reposicionar a imagem de Iemanjá alguns metros para dentro da lagoa, a prefeitura de Belo Horizonte cogitou a ideia de envolver Jorge dos Anjos no projeto. Em uma entrevista exclusiva ao site Aventuras na História, o artista revelou uma das ideias consideradas naquela época.
“Na época, eles [a prefeitura] pensaram em remover a imagem, mas eu disse que não se podia tirá-la do local, pois era um lugar de veneração, uma área de cerimônia e festividades em honra à Orixá. Foi a partir dessa demanda e da necessidade de proteger aquele lugar e a imagem de Iemanjá que o projeto nasceu”, explicou Jorge.
O renomado artista plástico, que possui outras obras espalhadas por Belo Horizonte, como o monumento “Zumbi Liberdade e Resistência — 300 anos”, em referência ao líder quilombola brasileiro Zumbi dos Palmares, ressaltou o significado do Portal da Memória:
“Essa obra não aborda apenas a religiosidade, ela fala de cultura, respeito e dialoga com a lagoa e com as pessoas que param para fotografar.”
Para Rita Lages Rodrigues, a historiadora, os ataques à imagem da Pampulha estão relacionados, de certa forma, à intolerância em relação às religiões de matriz africana, o que pode criar obstáculos para a prática dessas religiões. Ela também observa que muitas vezes as pessoas que cometem atos de vandalismo em monumentos o fazem inconscientemente.
“No caso desses atos de vandalismo, é importante compreender por que eles ocorrem. Muitas vezes, as pessoas que cometem esses atos estão distantes do senso de cidadania ou questionam, de maneira inconsciente, certos espaços”, afirmou Rita.
Além disso, a professora da UFMG destacou a importância da diversidade religiosa em nossa sociedade:
“A convivência no espaço público, na vida urbana, implica conviver com aquilo que é comum e com o que é diferente de nós. Se nos inclinarmos para uma mentalidade autoritária e absolutista, corremos o risco de anular a lógica de coexistência com a diferença.”
Seguindo essa mesma perspectiva, Jorge dos Anjos mencionou que, ao criar esculturas para espaços públicos, ele utiliza aço devido ao risco de ataques: “Quando penso em esculturas para espaços públicos, o aço é o material mais resistente.”
O artista também enfatizou a estrutura do Portal da Memória, que foi elaborada utilizando a mesma matéria-prima: “Isso faz parte de nosso caráter. O aço possui uma resistência significativa. A escultura do Portal da Memória precisa ser resistente, porque vivemos e lutamos pela resistência. Precisamos ser resilientes. Devemos ser resistentes.”
O livro “Portal da Memória: A poética construtiva de Jorge dos Anjos na paisagem da cidade” é o resultado transformador do projeto de iniciação científica conduzido por Rita Lages Rodrigues e Maria Tereza Dantas Moura. Para Maria, explorar o monumento do Portal da Memória foi como adentrar em um mundo novo. Ela acredita que, ao concretizarem o livro, conseguiram realizar essa jornada, revelando as múltiplas possibilidades que o projeto oferece.
Nas palavras de Rita, os leitores de “Portal da Memória: A poética construtiva de Jorge dos Anjos na paisagem da cidade” podem esperar uma imersão nessa obra de arte e também na arte presente em Belo Horizonte. Ela deseja que o livro proporcione uma reflexão profunda sobre o espaço urbano, fazendo com que as pessoas repensem o lugar que ocupam na cidade e no ambiente urbano público.
“Portal da Memória: A poética construtiva de Jorge dos Anjos na paisagem da cidade” foi realizado com o apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte (LMIC-BH) e está disponível para leitura aqui.
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