Decisão do Poder Executivo contraria recomendação feita pelos órgãos de controle. O MP e o MP de Contas defendem que é possível tratar o despejo de esgoto na lagoa.
Mesmo com recomendação contrária feita pelo Ministério Público e Ministério Público de Contas em fevereiro deste ano, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) renovou, na última terça-feira (11), contrato com consórcio responsável pela administração de substâncias químicas e biológicas, que têm objetivo de manter a qualidade da água da Lagoa da Pampulha, Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco desde 2016.
Assinada em 22 de fevereiro deste ano, a recomendação dos ministérios públicos pede pela “suspensão imediata de elaboração de procedimento licitatório, contratação, celebração de termo aditivo que se destine a alteração de quantitativos, prazos ou valores de eventuais contratos ainda vigentes, relativamente a utilização de biorremediadores ou destinados a tratamento de águas, nos moldes até então adotados, que já se mostraram contrários ao interesse público.”
A justificativa dada pelos órgãos de controle é que o poder público utiliza “métodos ineficazes e excessivamente onerosos”, sem tratar da causa do assoreamento e da poluição. E que, por isso, o “espelho d’água e orla da Lagoa da Pampulha vêm sendo sucessivamente descaracterizados”.
Mas o contrato foi renovado por inexigibilidade de licitação e publicado no Diário Oficial do Município na última terça-feira (11). O serviço para manutenção da qualidade da água da lagoa é feito por um mesmo consórcio de três empresas desde 2018. Com a renovação até setembro de 2023, a prefeitura de Belo Horizonte vai ter um custo de aproximadamente R$ 15 milhões. Ao todo, os cofres públicos terão desembolsado, ao final de cinco anos, cerca de R$ 65 milhões.
O tratamento consiste na aplicação combinada de duas substâncias: um biorremediador para acelerar a degradação da matéria orgânica e um remediador a base de fósforo, para controle da eutrofização, processo de acúmulo de nutrientes na água, que pode provocar proliferação de algas e cianobactérias.
Mas, de acordo com o Instituto de Gestão das Águas de Minas Gerais (Igam), que analisa a qualidade da água da lagoa desde 2013 em três pontos – Ilha dos Amores, Igreja São Francisco e próximo ao vertedouro-, foram registradas no último levantamento, divulgado em junho, quantidade de compostos orgânicos (como fósforo), contaminação fecal e presença de cianobactérias, acima do preconizado por legislação ambiental.
Dois pontos – Ilha dos Amores e Igreja São Francisco – registraram a presença de fósforo acima de 100% do limite. Em grandes quantidades, esta substância pode causar proliferação de algas de forma exagerada e de cianobactérias, que deixam a água esverdeada e podem limitar a presença de oxigênio para peixes e outros animais. Já no ponto do vertedouro, a contaminação fecal ultrapassou o máximo permitido, segundo o Igam.
Apesar disso, o levantamento concluiu que a qualidade geral das águas da lagoa apresentou melhora em relação a 2021, com redução do percentual ruim, de 57% para 38% e aumento do percentual médio, de 24% para 44%.
Mas houve também aumento do percentual de ocorrência da água muito ruim, que passou de 6% para 12%, especialmente nos córregos Sarandi e no Olhos D’Água, que desembocam na barragem. E houve ainda redução pela metade da ocorrência de água boa, de 13% para 6%.
De acordo com o relatório do Igam, entre as causas prováveis para este resultado estão os lançamentos de esgotos domésticos de Belo Horizonte e Contagem, além de lançamentos de efluentes de indústrias químicas, alimentícias e têxteis.
Aumento de cianobactérias deixa água mais verde e traz riscos
Sujeira e poluição na Lagoa da Pampulha, em BH — Foto: Virgílio Gruppi/ TV Globo
O Igam também registrou que a quantidade de cianobactérias encontrada nos três pontos de monitoramento da lagoa está acima do padrão estabelecido para rios de classe 2 , conforme Deliberação Normativa conjunta COPAM/CERH de 2008, que é de 50 mil células/ml.
As cianobactérias são microrganismos comuns em rios, lagos e lagoas, mas têm se tornado um problema em todo o mundo porque produzem toxinas potentes, como a cianotoxina, além da capacidade de desenvolver florações, trazendo riscos à saúde humana e animal.
O ponto com maior presença deste microorganismo foi em frente à Igreja São Francisco de Assis, em que foram encontrados, em junho, 1 milhão de células por ml, um aumento de mais de quatro vezes em comparação com o mesmo mês do ano passado, quando foram registradas 247.083 células por ml.
Já nas proximidades da Ilha dos Amores, foram encontradas 870.195 células por ml. Também houve aumento em comparação com o ano passado, quando foi registrada a presença de 262.931 células por ml.
O menor indicador registrado neste ano foi próximo ao vertedouro, onde foram encontradas 262.451 células por ml. Mesmo assim, número também maior que do mesmo mês do ano passado, quando foram constatadas 167.604 células por ml.
A presença de cianobactérias na bacia da Pampulha, além de deixar a água esverdeada, implica riscos à saúde pública uma vez que, ainda que não seja recomendado, há quem pesque no local.
Mesmo com ressalvas, tratamento deve ser contínuo, diz especialista
A presidente da Associação de Engenharia Sanitária e Ambiental, Flávia Mourão, explica que o ideal é conter o esgoto que chega à represa. Mas que, mesmo assim, este é um serviço que deve ser permanente e contínuo. “O mais importante é, sim, retirar o esgoto. Mas é preciso um trabalho para, permanentemente, retirar aquilo que chega à lagoa, além do esgoto, como resíduos, lixo, produtos químicos”, explicou.
Ela enfatiza que a bacia da Pampulha recebe carga de córregos que circulam por grandes áreas urbanas, não só da capital, como também de Contagem, o que faz o desafio ser ainda maior. “São iniciativas caras mesmo. E são necessárias pela referência da Lagoa da Pampulha enquanto patrimônio ambiental, cultural e turístico”, concluiu.
Piora de qualidade é esperada entre período seco e chuvoso, diz PBH
A prefeitura afirma que, além do Igam, também monitora os resultados do serviço prestado pelo consórcio frequentemente, por meio de sondas multiparamétricas e por meio de coletas mensais de amostras de água que são encaminhadas a laboratórios acreditados.
E que, “os últimos resultados, das coletas feitas em setembro de 2022, demonstram que as metas de tratamento estão sendo atendidas, com os indicadores de eutrofização situados abaixo dos limites estabelecidos”.
A prefeitura disse, ainda, que a lagoa possui uma “hidrodinâmica bastante complexa” e “sensível aos períodos climáticos críticos”, em especial no final do período seco e início do período chuvoso. Ou seja, segundo a prefeitura, a piora de qualidade nestes períodos é esperada.
Ainda de acordo com a prefeitura, “o que se comprova é que a Lagoa tem respondido rapidamente às agressões e não apresenta características de degradação como aquelas apresentadas antes de 2016, quando o tratamento foi iniciado”.
“Em virtude de ainda haver um elevado aporte de cargas à Lagoa da Pampulha, as ações de tratamento executadas pela PBH se fazem necessárias, e são referendadas pelo próprio TCE em sua auditoria operacional (PORTARIA: 04/19 / SCE e 08/SCE/2021) e também pela equipe de consultores e pesquisadores da FCO/UFMG nos trabalhos desenvolvidos junto ao Grupo de Trabalho instituído pelo Comusa, com participação de técnicos da PBH e Copasa, cujos resultados foram apresentados em reuniões do Conselho e também ao MPC e TCE”, informou em nota.
Acordo com a Copasa e Contagem precisa ser homologado
Em julho deste ano, a prefeitura de Belo Horizonte, a de Contagem e a Copasa firmaram um acordo, decorrente de ação judicial, para implantar um plano de despoluição da Lagoa da Pampulha. O investimento previsto é de R$ 146,5 milhões.
O principal foco é atuar no combate do lançamento de esgoto na bacia e garantir a melhoria da qualidade da água. A previsão de conclusão do serviço, após iniciado, é de cinco anos.
Para começar a ser colocado em prática, no entanto, o plano ainda precisa ser homologado junto às instâncias judiciais.
Apesar disso, segundo a Copasa, algumas ações já começaram a ser realizadas, como as obras obras de construção de rede e ligações novas de esgoto na Rua Honduras, no bairro Novo Boa Vista.
Já em Belo Horizonte, foram implantadas novas redes e ligações na região do Dandara, o que contribui para melhoria da qualidade da água do Córrego Olhos D’Água, que deságua na Pampulha.
Além disso, segundo a companhia, diversas atividades de mobilização social estão em andamento para conscientizar a população sobre importância de interligação à rede coletora de esgoto.
Via: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2022/10/13/pbh-renova-contrato-para-manter-qualidade-da-agua-da-lagoa-da-pampulha-metodo-e-questionado-pelo-mp.ghtml