A maior universidade do estado começou seu primeiro semestre na semana passada. Devido à matemática inteligente e à burocracia, ela foi pega no tumulto da crise orçamentária, afetando as universidades públicas de norte a sul. Em termos de recursos relativos a 2020, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) teme que mude sua dívida e caixa até o final do ano.
Na tradução numérica, são efeitos de um corte e bloqueio de verbas da ordem de R$ 103 milhões. Em bom português, se o cenário não mudar nos próximos meses, poderão ser afetados contratos de terceirizados, pagamento de bolsas e até mesmo o plano de retorno a atividades presenciais.
A UFMG faz coro a outras universidades pela recomposição orçamentária pelo menos nos moldes de 2020 e desbloqueio de 13,8% de seus recursos para conseguir pagar as despesas até o fim do ano.
“A situação é gravíssima e o cenário, desolador. Na história da UFMG, nunca vimos uma situação tão drástica”, afirma a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, que falou pela primeira vez sobre a situação orçamentária da instituição em entrevista exclusiva ao Estado de Minas.
Só a UFMG perdeu mais que todas as outras universidades federais sediadas em Minas reunidas. Conforme mostrado na semana passada, levantamento do EM feito com sete das 10 instituições do interior aponta que elas têm pelo menos R$ 73 milhões a menos em caixa.
Com um orçamento que saiu de R$ 261 milhões ano passado para R$ 157,5 milhões, a volta às atividades presenciais se anuncia ainda mais distante, mesmo quando o cenário epidemiológico o permitir. Isso porque deverão fazer parte das despesas correntes a adequação da ventilação em certos espaços físicos, compra de equipamentos de proteção individual (EPIs) e contratação de mais pessoal para limpeza e segurança.
Mas, se mantido o cenário de cortes, a conta não fecha. Sem reservas no caixa, não sobra dinheiro para comprar EPIs nem para aumentar número de funcionários. Pelo contrário. A reitoria já trabalha com a hipótese de reduzir a equipe de terceirizados que, além da administração, compreende os dois setores-chave para a retomada de aula no câmpus: limpeza e segurança. Também podem ser afetados pagamento de bolsas, manutenção predial e obras atualmente em andamento.
Mesmo não tendo zerado seu caixa de capital (direcionado a obras, equipamentos e investimentos), como ocorreu em outras universidades, pagar contas de água, luz e telefone também se tornou um desafio e toma ares de endividamento.
“A UFMG é séria e preza pelo seu comprometido por responsabilidade financeira. A curto prazo é dramático, a médio e longo prazos é desastroso, não apenas para a universidade, mas para o desenvolvimento do país em todas as áreas do conhecimento. Hoje, 95% das pesquisas do Brasil são feitas em universidade públicas. Para Minas, com 11 universidades e 19 institutos federais, será dramático”, destaca Sandra.
No malabarismo das readequações, algumas rubricas são consideradas prioridade, caso das ações de ensino, pesquisa e extensão e da assistência estudantil. “É o futuro de muitos estudantes que entram na universidade, por meio da Lei de Cotas. Eles vêm de escolas públicas, não têm muitos recursos e nós temos a responsabilidade de garantir sua manutenção para que se formem.”
Bloqueios
Assolados por sucessivos cortes orçamentários desde 2014, as universidades dizem terem sido surpreendidas pela engrenagem da União que as levou ao limite. A expectativa era de pelo menos manter os mesmos recursos de 2020, visto o papel das universidades na luta contra o novo coronavírus.
Mas, o que ocorreu foi o inverso e com bloqueios a conta-gotas, numa espécie de agonia sem fim. Nessa escalada, a UFMG começou perdendo ano passado 16,5% (R$ 34 milhões) no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), que saiu aprovado do Congresso com corte aumentado para 18,9% (R$ 39 milhões).
Mas, o pior ainda estava por vir: os vetos do presidente Jair Bolsonaro, que reduziram em R$ 1,1 bilhão o orçamento do Ministério da Educação (MEC) para o ensino superior e afetou de maneira não linear universidades e institutos. Ou seja, ainda não se sabe quais critérios foram usados, mas os percentuais de cortes foram distintos e atingiu, principalmente, recursos de capital.
A UFMG foi atingida em cheio em 26,72% (mais de R$ 50 milhões). Na sequência, houve ainda o bloqueio de 13,8% do orçamento do MEC, o equivalente a R$ 2,79 bilhões, de forma linear em todas as instituições federais de ensino. Para a Federal de Minas, essa última ação significou perdas de R$ 76 milhões (36,5% do orçamento de 2020).
A reitora Sandra Goulart explica que os cortes do veto só podem ser recompostos por meio de Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN). “O veto é um corte permanente na LOA, enquanto o bloqueio pode ser revertido, dependendo da situação financeira, por meio de acordo do MEC com o Ministério da Economia”, diz.
E a situação, que já estava grave, ficou ainda pior com o revés derradeiro. O único dispositivo que permitiria à universidade recuperar um pouco de fôlego também foi abarcado pela União: a rubrica recursos próprios, provenientes de convênios de cooperação com estado, municípios e empresas.
“Eles devem ser previstos no orçamento da instituição e, por isso, o governo pode interferir. No nosso caso, sofreram corte de 52%. De R$ 52 milhões arrecadados ano passado, só poderemos tocar agora R$ 25 milhões. Se passar disso, os valores são contabilizados como forma de superávit primário para o governo, ou seja, vai direto para cofres da União”, lamenta a reitora. “Não tenho como tentar resolver a situação da UFMG por meio de parcerias, pois a legislação não me permite arrecadar nem encontrar soluções.”
Via: Estado de Minas